Não se pode tolher prova tida por necessária pelo juiz natural do caso, quando ele resguarda devida e cuidadosamente os interesses de ambas as partes, conciliando, mediante segredo de justiça, a proteção do dado objeto da prova técnica com o caráter social do direito do trabalho.
Com esse entendimento, a Seção Especializada em Dissídios Individuais (Subseção II) do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região manteve a decisão que autorizou perícia no algoritmo da Uber, a fim de que se possa determinar se existe ou não vínculo de emprego entre motoristas e a empresa.
Em primeiro grau, um motorista da plataforma pleiteou o reconhecimento do vínculo. Para tanto, foi feito o pedido de perícia no código-fonte do aplicativo. O juiz deferiu o pedido, sob o entendimento de que as informações encontradas podem permitir elucidar o grau de controle exercido pela empresa sobre o trabalhador e a direção, controle e apropriação dos frutos da atividade econômica, além da “existência ou não de poder de direção, fiscalizatório e disciplinar sobre a prestação de serviços e/ou autonomia nesse tipo de trabalho”.
Ante o deferimento da perícia, a Uber impetrou mandado de segurança, cujo pedido liminar foi parcialmente deferido (a decisão impugnada foi mantida, mas foram estabelecidos parâmetros e restrições sobre a perícia). Contra essa decisão em sede de mandado de segurança, a empresa interpôs agravo regimental, mas a segurança foi negada e a monocrática anterior, mantida.
O principal argumento da plataforma se refere à possível violação de direitos fundamentais, diante da necessidade de respeito ao segredo de empresa, à livre iniciativa, à proteção a patentes e à propriedade intelectual. Afinal, o aplicativo e o software constituiriam o principal serviço oferecido.
Segundo a decisão colegiada do TRT-1, no entanto, se os dados coletados pela perícia não forem expostos, não há violação a direito líquido e certo. Os desembargadores também identificaram o caráter transcendente do caso, já que que há muitos processos parecidos. Assim, a perícia do algoritmo configura “importante instrumento jurídico de contenção à litigiosidade, e, portanto, eficiente mecanismo de fortalecimento de sociabilidade democrática”. Segundo a decisão, diante da possibilidadse de grave violação a direito coletivo fundamental, deve haver maior aprofundamento analítico a respeito dos mecanismos utilizados para consecução do objetivo que pode configurar “fraude com enorme potencial coletivizador em detrimento do valor-trabalho”.
Em seu voto, a relatora, desembargadora Raquel de Oliveira Maciel, afirma ainda que, se a relação de trabalho entre motorista e empresa é inteiramente mediada pelo aplicativo da plataforma eletrônica, “a análise da natureza dessa mesma relação e as informações a respeito do limite de horas de prestação de serviço ou de qualquer outro elemento daí decorrente depende necessária e exclusivamente do conteúdo ali depositado digitalmente, cujos critérios e instruções são determinados por algoritmos e armazenados no código-fonte e nos registros de informações coletadas”.
Para ler a decisão: 0103519-41.2020.5.01.0000
FONTE: SITE CONJUR