Combate ao Trabalho Infantil: subnotificação é cada vez mais preocupante na Paraíba

Dados de 2019 mostram cerca de 40 mil crianças e adolescentes paraibanos em situação de trabalho infantil, mas números podem ter aumentado significativamente durante a pandemia

Uma das frentes da Justiça do Trabalho, para além da conciliação e apreciação de processos envolvendo relações entre empregados e empregadores, é o combate e a erradicação do trabalho infantil em todos os âmbitos. Para isso, foi instituído o Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil, lembrado em 12 de junho. Este é um problema que atinge crianças e adolescentes do mundo inteiro e, embora possa ser comumente associada a regiões mais isoladas do mundo, a exploração do trabalho infantil pode estar diante dos nossos olhos.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 1,7 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão em situação de trabalho infantil no Brasil. Desses, 706 mil (45,9%) estavam em ocupações consideradas como piores formas de trabalho infantil, a exemplo do imposto pela rede de tráfico de drogas e pela exploração sexual de crianças e adolescentes para fins comerciais.

Aqui na Paraíba, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (Pnad Contínua 2019) apontavam aproximadamente 39,6 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil. No entanto, estes números são uma fotografia do cenário existente antes da pandemia. Com o aumento do desemprego, da pobreza, da desproteção social, economia instável e, para piorar, o fechamento de escolas, a possibilidade de um aumento exponencial de exploração da mão de obra infantil acende um sinal de alerta.

Prova disso é o relatório “Trabalho infantil: Estimativas globais de 2020, tendências e o caminho a seguir” (disponível apenas em inglês), divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). No texto, é lembrado que entre 2016 e 2020, o número de crianças e adolescentes nessa situação chegou a 160 milhões em todo o mundo, representando um aumento de 8,4 milhões. Contudo, o impacto da Covid-19 é assombroso, já que projeta-se que, até o fim de 2022, quase 9 milhões correm o risco de ingressarem nesta condição.

Conscientização e planejamento

É por conta disso que a Justiça do Trabalho, através do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estimulo à Aprendizagem, busca auxiliar instituições públicas e privadas a cumprir o compromisso assumido pelo Brasil, de erradicar o trabalho infantil até 2025. No Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região), os gestores regionais responsáveis pelo programa são o desembargador Wolney Cordeiro e o juiz do trabalho Adriano Dantas.

Algumas das ações realizadas pelo TRT-13 incluem a comunicação ativa com a sociedade, buscando conscientizar a população sobre as formas em que o trabalho infantil se apresenta e como ela pode fazer para denuncias práticas do tipo. Um exemplo disso é a palestra realizada na próxima terça-feira (14), no município de Damião, no Agreste da Paraíba, ministrada pelo coordenador da Comissão de Apoio aos Gestores Regionais do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estimulo à Aprendizagem, Wilson Quirino.

“O evento é voltado principalmente para os conselheiros tutelares do município, agentes responsáveis diretamente por zelar pela integridade e dignidade de crianças e adolescentes, mas também servirá para o público em geral”, enfatizou o coordenador da comissão. Além das iniciativas nacionais e regionais no âmbito do Poder Judiciário, o TRT-13 também integra o Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fepeti-PB) e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes da Paraíba.

Estas organizações são ferramentas do governo estadual que pensam políticas públicas de combate ao trabalho e exploração de crianças e adolescentes. “O TRT-13, justamente por ser o braço da Justiça do Trabalho na Paraíba, participa ativamente, ao lado de outras instituições e representantes da sociedade civil”, explicou Wilson Quirino, que é representante do tribunal tanto no fórum quanto no conselho estadual.

Esforço diário

Ao falarmos de trabalho infantil, é comum que nossa mente nos transporte para situações mais extremadas, em fábricas e fazendas em locais isolados, longe dos olhos da sociedade. Contudo, a naturalização do olhar para determinadas atividades acaba fazendo com que habitantes de grandes centros urbanos não percebam que, sim, o trabalho infantil está no nosso cotidiano.

“Basta observar as crianças e adolescentes lavando carro, vendendo produtos nos sinais de trânsito, transportando feiras e até mesmo vendendo os produtos nos mercados públicos, tudo isso é uma realidade que a gente constata todos os dias, não tem nada escondido ou mascarado, mas a gente se habituou tanto a ver estas cenas que se torna natural. Inclusive, há uma ideia errada, de que ‘é melhor que a criança esteja trabalhando do que roubando’. Nem uma, nem outra: a criança deveria estar estudando”, reforçou Wilson Quirino.

Com o objetivo de chamar a atenção da população para esta questão delicada, na sexta-feira, a Justiça do Trabalho, com o apoio o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), promoveu um twittaço #BrasilSemTrabalhoInfantil. Outro braço da justiça trabalhista que atua ativamente no combate ao trabalho infantil, recebendo denúncias e realizando ações tanto ostensivas quanto de conscientização, é o Ministério Público do Trabalho da Paraíba (MPT/PB). Na última quarta-feira, a instituição lançou uma campanha de combate ao trabalho infantil no São João, com lançamento em Campina Grande e em Patos, dois municípios bastante movimentados durante os festejos juninos, em que há uma prevalência maior de trabalho infantil no período.

O procurador do Trabalho Raulino Maracajá é vice-coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT (Coordinfância/MPT) e está responsável pela campanha na Paraíba. O gestor explicou que a ação de fiscalização e punição de comerciantes que usam da força de trabalho infantil é um dos papéis do MPT, mas que ele não é o único. “Além da força ostensiva, o Poder Público também tem como responsabilidade impor ações preventivas, no sentido de divulgar, debater, abrir espaços e fazer campanhas como esta, que apontam os problemas que acometem crianças e adolescentes”, pontuou Raulino.

Outro aspecto importante é o caráter assistencial. Entender o universo que circunda esta criança é fundamental para combater o trabalho infantil, pois, na maioria dos casos, acaba sendo uma consequência da situação de vulnerabilidade social de famílias inteiras, o que leva a crianças e adolescentes a trabalharem e por vezes abandonarem os estudos. “Não adianta fazer a repressão, a prevenção, se a gente não tem como garantir a assistência a estas famílias que não têm o que comer em casa”, ressaltou o procurador do Trabalho, enfatizando o slogan da campanha promovida pelo MPT, “Proteção Social para Acabar com o Trabalho Infantil”.

Piores formas de trabalho infantil

O trabalho infantil em si já é um tipo de exploração que tolhe futuros ao privar milhões de crianças e adolescentes da possibilidade de estudar, se especializar e ascenderem socialmente, transformando a realidade de todos ao seu redor. No entanto, há algumas modalidades que conseguem ser ainda mais cruéis e, portanto, passam a ser categorizadas como algumas das piores formas de trabalho infantil.

A Organização Internacional do Trabalho elenca mais de 90 atividades em sua Lista TIP, mas algumas se destacam, a exemplo de: venda e tráfico de crianças; sujeição por dívida, ou seja, submeter alguém a trabalhar por estar devendo dinheiro; servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas como o tráfico de drogas; e utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas.

Em relação à exploração sexual de crianças e adolescentes, o próprio MPT/PB realiza anualmente em parceria com a prefeitura de Campina Grande a Ação Intersetorial de Combate à Exploração do Trabalho Infantil no São João, apresentando uma redução do número de casos de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e exploração sexual na área do Parque do Povo, onde ocorrem os festejos juninos na cidade.

“Há de se pensar a exploração sexual infantil como uma forma de trabalho, pois isso causa um impacto psicológico na criança e no adolescente expostos a este tipo de violência. Ela é explorada para fins comerciais, às vezes recebendo algum tipo de contribuição pecuniária por conta do abuso. Ela cria uma relação distorcida com o trabalho”, enfatizou o procurador do Trabalho, Raulino Maracajá.

No TRT-13, o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem também está atento à problemática da exploração sexual como uma forma de trabalho, buscando oferecer alternativas de futuro melhor a estas crianças resgatadas da exploração laboral. “O abuso e a exploração sexual são práticas repugnantes, inadmissíveis e inaceitáveis. Devem ser combatidas com veemência pelo Estado, pela sociedade civil e, principalmente, pelas famílias, pois acabam com o presente e eliminam as perspectivas de um futuro digno das nossas crianças e adolescentes. A dor, o medo e a vergonha do passado sombrio se tornam marcas indeléveis”, afirma o gestor do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem no TRT-13, desembargador Wolney de Macedo Cordeiro.

FONTE: TRT 13