Trabalho intermitente tem baixa adesão e comércio como maior empregador

Entre novembro e dezembro, foram criadas 5.641 vagas por um total de menos de 500 empresas. Modalidade nova enfrenta receios de empresários e desconfiança de trabalhadores.
Passados 3 meses da entrada em vigor da nova lei trabalhista, a oferta de vagas de trabalho intermitente ou esporádico – modalidade em que se ganha por hora trabalhada e não há garantia de jornada ou remuneração mínima por mês – ainda é pequena e teve adesão de poucas empresas, a maioria delas do setor de comércio.
A contratação com carteira assinada de trabalhadores nessa categoria foi permitida com a aprovação da reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro do ano passado.
O G1 conversou com empresas de recrutamento e varejistas e verificou que ainda são poucos os empregadores que estão contratando nesta modalidade e que também tem sido mais difícil preencher esse tipo de vaga.
Os empresários ainda se mostram cautelosos e com dúvidas sobre a aplicação das novas regras, e falam também em insegurança jurídica, uma vez que ainda não se sabe qual será, de fato, a interpretação de juízes e procuradores do Trabalho deste novo tipo de vínculo empregatício.
O trabalho intermitente ocorre esporadicamente, em dias alternados ou por algumas horas, e é remunerado por período trabalhado. A previsão do governo é que essa modalidade de trabalho gere 2 milhões de empregos em 3 anos. Entenda como funciona o trabalho intermitente.
Segundo os dados oficiais, ainda são poucas as empresas contratando intermitentes para os seus quadros. Em novembro, 778 estabelecimentos, pertencentes a 87 empresas, abriram vagas deste tipo no país, segundo o Ministério do Trabalho. Em dezembro, foram 933 estabelecimentos, envolvendo um total de 382 empresas.
Questionado pelo G1, o ministério não informou o número total de empresas que já contrataram na modalidade, descontando os empregadores que eventualmente tenham aberto vagas intermitentes nos dois meses. “A Dataprev ainda não disponibilizou funcionalidade para realizar essa tabulação”, afirmou. No país existem atualmente cerca de 4 milhões de empresas com empregados registrados.
O trabalhador intermitente é basicamente jovem, sem curso superior e ocupante de vagas que exigem pouca qualificação.
De acordo com os números do Ministério do Trabalho, nos primeiros 50 dias da nova legislação trabalhista, foram criadas 5.641 vagas de trabalho intermitente. O número é a diferença entre 5.971 contratações e 330 demissões ocorridas entre 11 de novembro e 31 de dezembro. Como dois ou mais vínculos podem estar relacionados a um mesmo trabalhador, não é possível dizer que houve a criação de 5.641 empregos por contrato intermitente. Por conta disso, o registro desses vínculos pode inflar as estatísticas de emprego no país.
Do total de postos criados nesta modalidade, 4.175 ou 74% foram no comércio, e 1.561 (28%) no estado de São Paulo.
Comércio sai na frente
Entre os pioneiros na contratação de intermitentes está o Magazine Luiza. A rede oferece na internet a posição de assistente de loja, oferecendo “salário e benefícios por hora trabalhada”. A oferta não especifica, entretanto, o valor da hora trabalhada.
Procurada pelo G1, a varejista informou ter usado 4 mil trabalhadores intermitentes para atuar na megaliquidação anual realizada pela rede em janeiro. O grupo não atendeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Magazine Luiza informou já contar com mais de 5 mil contratados nesta modalidade e que pretende reunir um banco de dados com mais de 7 mil nomes para serem chamados para reforçar o time de 23 mil funcionários “apenas em grandes eventos ou situações pontuais, ganhando pelas horas que trabalham”.
Apesar do setor varejista ter sido um dos entusiastas da reforma trabalhista e das novas modalidades de trabalho, as empresas evitam comentar publicamente o assunto e muitas ainda se mostram reticentes (leia mais abaixo).
“As empresas ainda estão esperando a coisa engrenar e tomar um formato maior para ver se realmente vale a pena”, afirma Elisangela Mardegan, assessora jurídica do Sindicato dos Lojistas do Comércio de São Paulo (Sindilojas). “Ainda há um pouco de insegurança jurídica porque se sabe que muitos juízes não concordam com a aplicação da atual legislação”.
A Preçolândia, varejista com 31 lojas no estado de São Paulo, afirma estar avaliando aderir à nova modalidade a partir dos próximos meses.
“Acreditamos que vale a pena. Mas primeiro temos que fazer as contas e ver como isso vai ficar, porque aqui no Brasil as leis não são tão claras, aparecem brechas, e o empresariado fica com receio de entrar de cabeça numa coisa nova e, de repente, descobrir que não é tão fácil quanto parece” – Michel Zakka, diretor comercial da Preçolândia
Segundo ele, a ideia é reunir um quadro de até 10% de mão de obra extra na modalidade intermitente, para atuar nas grandes datas do comércio e nos fins de semana. “Vamos dizer que você tem 10 vendedores numa loja. Para colocar 12 no fim de semana e ter que ficar com eles a semana inteira, você acaba não contratando porque a conta não fecha. Com o intermitente, podemos manter os mesmos 10 e colocar mais 4 no sábado e domingo”, explica.
O setor de bares e restaurantes é outro que tem testado a novidade como forma de suprir a necessidade maior de mão de obra de garçons e ajudantes em fins de semana e feriado. Um dos argumentos dos empresários é que a modalidade permite o registro em carteira daqueles que já trabalhavam de uma a três vezes por semana, por exemplo, e que até então estava na informalidade.
“Estou gostando muito e para eles [funcionários] também é bom, porque podemos fazer o que antigamente se chamava bico, mas agora com carteira assinada e todos os direitos garantidos”, afirmou ao G1 a dona de um restaurante no centro de São Paulo, que contava com 3 intermitentes na véspera do carnaval. Passada a folia, entretanto, a empresária disse ter decidido fazer a rescisão dos contratos após ter tido problemas com os empregados e pediu para não ter a identidade divulgada.
“É a velocidade das coisas… não deu certo. Achei uma mudança boa, quero fazer [contrato intermitente], mas depois que pisaram na bola comigo, vou pensar.”
Poucos anúncios
Nos grandes sites de emprego, ainda são raras as ofertas de vagas de trabalho intermitente e, quando são lançadas, muitas vezes elas não atraem interessados. Empresas como Vagas.com, Luandre e Elos informaram que ainda não tiveram clientes contratando nesta modalidade. Já a Catho e o Sine ainda não possuem um campo exclusivo para o “tipo de contratação” em seus formulários de vagas, o que impossibilita a busca ou mapeamento de anúncios nesta modalidade.
As consultorias e empresas de recrutamento afirmam que a demanda ainda é muito pequena e que os clientes têm preferido neste momento trabalhar com os contratos das modalidades tradicionais ou então com temporários.
Na Page Interim, menos de 20 clientes solicitaram até o momento recrutamento na modalidade intermitente. “Como é uma modalidade nova, ainda existe o desafio de como contabilizar isso em folha e há uma limitação até de ferramentas de como fazer a gestão”, afirma Ricardo Haag, diretor da empresa.
Pelas regras do trabalho intermitente, o empregador precisa fazer a convocação e informar a jornada a ser cumprida, com pelo menos três dias corridos de antecedência, e o trabalhador tem 1 dia para dizer se aceita. Ou seja, a empresa também não tem garantia que terá a mão de obra extra no período desejado.
Baixa remuneração
Segundo Haag, está cada vez mais difícil preencher ocupações de trabalho temporário, independentemente da forma de contratação. “O trabalhador está interessado em vagas mais perenes”, resume o executivo.
Além da jornada mais curta e da falta de garantia de remuneração mínima mensal, o valor pago pela hora trabalhada no emprego intermitente tem se mostrado pouco atraente. Nos anúncios que circulam nos sites de emprego, o valor da hora de trabalho varia de R$ 5 a R$ 10.
“Se a jornada for de 5 horas por semana, como já vimos em anúncio, isso dá menos de R$ 100 por mês. Se for descontar a Previdência, sobra cerca de R$ 20 por mês. É um absurdo. Isso é análogo à escravidão”, afirma Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e UGT (União Geral dos Trabalhadores).
Ele lembra que nos meses em que o trabalhador não receber um salário mínimo, terá que pagar 8% sobre a diferença a título de contribuição previdenciária.
“Sempre fomos contra a aprovação do intermitente dessa forma. No mínimo, tinha que ser estabelecido um mínimo de horas por mês”, opina.
Segundo os recrutadores, o que dificulta o preenchimento destas vagas é a pouca previsibilidade sobre a remuneração mensal e a baixo valor pago por hora. Para Michelle Karine, presidente da Associação Brasileira do Trabalho Temporário (Asserttem), que representa as agências de contratação de mão de obra temporária, é preciso buscar uma maior razoabilidade para o valor oferecido pela hora trabalhada.
“A lei diz que o salário não pode ser inferior ao proporcional do permanente da empresa. Se colocarmos isso na ponta do lápis, para o trabalhador não vale a pena sair de casa, e teremos dificuldade de encontrar mão de obra interessada nessa ocupação”
Tendência é ter mais ofertas
Empresários ouvidos pelo G1 avaliam que a adesão de mais empresas e maior número de ofertas, a modalidade tende a encontrar maior receptividade.
“É questão de oferta e procura, o mercado é que vai ditar. E quem quiser determinadas qualificações, vai ter que pagar mais”, afirma Zakka.
Em meio as dificuldades operacionais para implementação da nova modalidade, as agências de emprego temporário enxergam um novo filão e já começam a se estruturar para passar atuar como intermediárias na contratação de intermitentes, uma vez que já reúnem um banco de dados com candidatos mais predispostos, em tese, a este tipo de vaga.
“A dificuldade operacional é grande, porque tem a convocação, tem que aguardar as 24 horas para o aceite ou não. E as agências também podem ajudar o empregador a fazer uma razoabilidade em termos de salário, porque uma coisa é o que diz a legislação, outra o que se aplica na prática e é possível executar”, diz Karine.
O que dizem as grandes varejistas
A Riachuelo, cujo presidente Flavio Rocha defendeu a legalização do trabalho intermitente durante a tramitação da reforma, informou que ainda está em processo de avaliação de outros formatos de contratação “que façam sentido para o negócio da companhia”.
O Grupo Pão de Açúcar disse apenas que suas unidades de negócio, incluindo a Via Varejo, dona das Casas Bahia e do Ponto Frio, não estão contratando na modalidade intermitente.
A Ricardo Eletro informou que ainda não realizou contratações nessa nova modalidade, mas que está “atenta as movimentações do mercado”.
O Carrefour afirmou que, a partir de março, prevê testar em algumas lojas novos modelos de contratação e jornadas de trabalho.
A Centauro informou que optou por um projeto embrionário de contratação na modalidade de trabalho parcial (até 30 horas semanais), e que ainda são “pouquíssimas” as colocações. “O regime foi escolhido pois a empresa trabalha com os colaboradores de acordo com as sazonalidades em dias da semana”, destacou.
Já a Lojas Americanas não quis comentar o assunto.
G1