Autor: Rodrigo Trindade*
No Rio Grande do Sul, quando se deseja acalmar discussões e chamar à razão, usa-se expressão mágica. A partir de um singelo e pausado “vamos nos respeitar”, respira-se fundo e faz-se possível retomar qualquer assunto, agora em ânimos devidamente serenados.
Pois bem, para começar a entender o que nos cerca, precisamos ser sinceros nas definições, “nos respeitarmos”. Empregado não é colaborador, trabalho humano não é insumo e – que fique muito claro – paralisação empresarial não é greve.
Didaticamente, greve é paralisação de trabalhadores, voltada para alcançar melhores condições de trabalho. Trata-se de direito fundamental, garantido na Constituição, em normas internacionais e em lei própria. Locaute é bem diferente. Estabelece-se por ato de força de empresas que paralisam provisoriamente suas atividades, esperando lograr vantagens econômicas. Como prática antissocial, é proibida por lei e combatida por órgãos de regulação da concorrência.
Mas a diferença é mais que didática; há profunda dessemelhança ética nos institutos. O saudoso Arnaldo Süssekind, um dos mais importantes estudiosos de Direito do Trabalho da América Latina, já lecionava que greve e locaute distinguem-se nos valores que representam ao conjunto da sociedade. Para ele, a greve possui o valor ético de buscar melhores condições de trabalho, o que jamais se encontra no locaute – limitado à reivindicação do poder econômico. Isso porque locaute é ato de força por quem já tem o incomparável poder que só o dinheiro provê. E em nome dele, contrapõe-se à vontade do Estado e aos interesses gerais da comunidade em que o paralisante se insere.
Originalmente, o locaute firma-se no fechamento provisório do estabelecimento por ordem do próprio empresário, como forma de pressionar seus trabalhadores a arrefecer reivindicações. Mas nem todo locaute serve para bloquear negociações coletivas.
A mesma prática empresarial de obstruir os próprios negócios pode ter motivações distantes do âmbito de pressão aos empregados. Em operações mais complexas, a intimidação pode se direcionar a forças políticas que regulam ou influenciam as atividades do paralisante. Sempre que a suspensão dos serviços ocorrer de forma coordenada e afetar necessidades sensíveis da população, não há dúvidas de que se está diante de formidável instrumento de pressão. Esse fenômeno já foi identificado pela doutrina moderna de Direito do Trabalho e nas palavras de Godinho Delgado, trata-se do “locaute político”.
Em ambientes de graves crises nacionais, outros fatores podem se somar.
Primeiro, com a integração de diferentes atores da atividade econômica. Trabalhadores autônomos podem se associar às empresas paralisantes, pois se vêm comtempladas no êxito da pauta motivadora. Do mesmo modo as empresas valem-se de seus empregados na instrumentalização dos atos de imobilização e essas pessoas, não raro, podem compartilhar sincera convicção da adequação da paragem.
Segundo, com a paralisação atuando na confluência de diversas demandas latentes. A visibilidade do locaute político pode atrair reivindicações com maiores ou menores relações com o movimento. E, apenas exemplificativamente, citam-se pretensões relacionadas a preços de insumos, desemprego e irracionalidade tributária.
A integração de todos esses fatores aumenta notavelmente a complexidade da dinâmica paredista, mas não a desnatura da essencialidade de sua origem. Objetivamente, todos os elementos que podem ingressar no locaute político confluem, alimentam e confirmam o objetivo da paralisação: assegurar a vontade empresarial de bloquear sua atividade e, assim, obter ganhos econômicos.
Ainda que o respeito a conceitos não sirva para serenar totalmente as discussões, pode ser um bom começo. Mesmo que apenas para arrefecer opções mais agressivas.
FONTE: *Rodrigo Trindade – Juiz do Trabalho na empresa Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região – RS