Gratuidade de justiça: excesso de demandas ou exclusão das minorias?

FOTO: Alexandre Saconi/Varidel Comunicação

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Por Farley Roberto Rodrigues de Carvalho Ferreira*

O STF passou a julgar a constitucionalidade ou não, das alterações da reforma trabalhista no tema de gratuidade de justiça. O ponto central da alteração é se o empregado, reconhecidamente pobre, pode ter seus créditos trabalhistas compensados com despesas do processo (honorários de perito, honorários do advogado da parte contrária, bem como tributo – taxa processual). A par da discussão constitucional sobre o tema, gostaria de observar outros aspectos que estão em jogo.

O processo do trabalho tem particularidades que não existem no processo civil. O litígio trabalhista é formado a partir de uma relação jurídica em que somente uma das partes, o empregador, é que produz, conserva e guarda documentos.

O empregado, em vulnerabilidade por sua subsistência, assina todos os documentos necessários para preservar seu emprego. Simples assim. O que estou dizendo é que, no curso da relação contratual, todas as provas documentais legais são produzidas pelo empregador e aceitas pelo empregado.

O mesmo não ocorre no processo civil, pois se origina de relações em que há igualdade de barganha das partes: o locador e locatário, o comprador e vendedor, o fiador e outras figuras civis somente produzem a prova documental conjunta depois de realmente negociada.

Essas diferenças impõem uma situação que é regra no processo do trabalho, isto é, a necessidade de o empregado demonstrar em juízo que um documento firmado por ele mesmo (cartão de ponto, recibo de pagamento, etc…) não corresponde à realidade. Isso é uma desvantagem processual muito grande.

Paralelamente, existem situações gravíssimas que podem ocorrer durante os contratos de trabalho e não podem ser desprezadas: o assédio sexual, a discriminação racial e os acidentes de trabalho.

As duas primeiras são usualmente situações clandestinas, porque ninguém admite existir o assédio sexual ou a discriminação racial dentro de sua instituição empresarial. E convencer o juízo de que esses fatos clandestinos ocorreram é extremamente difícil em um processo, porque normalmente não existe prova direta, mas apenas circunstâncias contextualizadas que revelam essas violências.

Quanto ao acidente de trabalho, o Brasil ostenta o primeiro lugar de ocorrência no mundo, considerando apenas os notificados oficialmente. As doenças ocupacionais são as grandes chagas do século 21 e dependem de prova do trabalhador que a alega (por perícia médica) para estabelecer a relação da doença com o trabalho. Mais uma vez, são raros os casos em que as empresas admitem essa existência.

Cabe importante reflexão, portanto, sobre a repercussão social que a decisão do STF propiciará: melhor o excesso de demandas serem tratadas com as suas peculiaridades pelo Poder Judiciário ou será melhor afastar o trabalhador do Poder Judiciário em situações gravíssimas no cenário mundial diante da dificuldade de prova?

Aguardemos a resposta pelo guardião da Constituição Federal.

*Juiz do Trabalho e presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra-2), que engloba a região de São Paulo (capital), Região Metropolitana e Baixada Santista

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