O mercado de trabalho da pessoa com deficiência e a reforma trabalhista

Adriane Reis de Araújo – Procuradora do Trabalho

MPT /SP | 16 de outubro de 2018 – A prevalência do negociado sobre o
legislado, prevista na reforma trabalhista, gera dúvidas sobre a possibilidade de
a norma coletiva regular as funções a serem consideradas na base de cálculo
da cota legal de pessoas com deficiência. O ordenamento jurídico tem normas
com hierarquias diferentes. Nessa pirâmide a Constituição Federal ocupa o
papel de maior destaque e a norma coletiva papel inferior à lei ordinária.
O texto constitucional traz direitos que não podem ser suprimidos ou
esvaziados por nenhuma norma. Estes direitos podem ser complementados por
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que o Brasil seja parte (art. 5º, § 2º), inclusive com
status constitucional (§ 3º).
Em relação a pessoa com deficiência, nosso país ratificou a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo
(Decreto 6.949/2009). Essas normas, de hierarquia constitucional, estabelecem
nosso compromisso em adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para
estimular o respeito aos direitos e à dignidade das pessoas com deficiência e
combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em diversas áreas da
vida, inclusive o trabalho.
A Lei n. 8.213/90 e a Lei Brasileira de Inclusão refletem algumas das
medidas mencionadas pela Convenção mencionada. A Lei 8.213/90 prevê o
cálculo da cota da pessoa com deficiência sobre a totalidade do número de
empregados da empresa e a LBI proíbe a restrição ao trabalho da pessoa com
deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas
etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional
e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação
profissional, bem como exigência de aptidão plena. Esta lei estabelece, ainda,
como crime a prática discriminação de pessoa em razão de sua deficiência,
com pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa (art. 88).
Mas, e a reforma trabalhista modifica esse quadro?
Durante o processo legislativo da reforma essa questão foi discutida e a
possiblidade de alteração da lei de cotas foi retirada pelo relator Rogério
Marinho. Para não deixar margem a dúvidas, a reforma, no art. 611-B, proibiu
cláusulas em negociação coletiva que estabeleçam qualquer discriminação no
tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência.
De todo modo, o teor de cláusula que altera a base de cálculo da cota
legal não se ajusta ao objetivo da negociação coletiva previsto na CLT, que
deve sempre regular as condições de trabalho aplicáveis no âmbito das
representações dos sindicatos signatários e empresa às relações individuais de
seus trabalhadores (art. 611).
A definição das regras para o cálculo da cota de pessoa com deficiência
ultrapassa as condições de trabalho individuais e configura interferência
indevida em políticas públicas de promoção de emprego desses profissionais
em situação de vulnerabilidade.
Esta a razão pela qual o Protocolo de ação conjunta 001/2018, firmados
pelos Coordenadores da COORDINFANCIA, CONALIS, COORDIGUALDADE
– MPT e Ministério do Trabalho, afirma a impossibilidade de acordos coletivos
ou convenções coletivas de trabalho alterarem a base de cálculo da cota de
aprendizes e de pessoas com deficiência ou reabilitadas.
Portanto, o empregador deve ficar atento para não correr risco
desnecessário ao descumprir a cota legal para a contratação de pessoa com
deficiência, fundamentando-se em norma convencional ilícita e nula.
O Ministério Público do Trabalho está atento à questão e fiscalizará o
descumprimento da lei, seja pelos sindicatos, federações ou empregadores.