A relação de trabalho na economia 4.0 e a competência da Justiça

Marcelo Rodrigo Carniato e Luciana Paula Conforti

O mundo assiste, com velocidade ímpar, o surgimento de novas formas de trabalho. Os aplicativos do celular se tornaram mecanismos para a contratação de serviços. A simplicidade, mas também a complexidade, de um click, desafiam a pensar as novas estruturas do mercado de trabalho brasileiro e mundial.

A Justiça do Trabalho, desde a Constituição de 1946, passou a integrar o Poder Judiciário e recebeu a incumbência de dirimir e pacificar os conflitos entre empregados e empregadores no plano das relações individuais e coletivas de trabalho, sendo, portanto, um ramo especializado. Essa trajetória teve início já na Constituição de 1934, construindo-se um constitucionalismo em que o Direito do Trabalho encontra-se emancipado do Direito Civil, justamente por se reconhecer que o trabalho humano exige uma aplicação teórica formal e substancial diferenciada.

Desse modo, a Justiça do Trabalho historicamente exerce a jurisdição especializada no âmbito dos litígios que têm como palco a relação de emprego regida pela CLT e é responsável por assegurar o respeito às normas constitucionais e infraconstitucionais que tutelam o contrato de trabalho, resguardando um grau mínimo de civilidade nas relações entre empregados e empregadores, além de garantir um sadio ambiente concorrencial pautado no respeito ao patamar mínimo civilizatório de direitos sociais previstos pela normatização pátria e internacional que o Brasil se comprometeu a observar. O Judiciário contribui para a manutenção do equilíbrio que é fundamental para o desenvolvimento econômico sustentável.

Com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, houve ampliação da competência da Justiça do Trabalho, na medida em que foi confiada a missão de dirimir todo e qualquer litígio que envolva o trabalho humano, exceto em relação às demandas de natureza jurídico-estatutária travadas com o poder público. Consolidou-se, assim, a perspectiva constitucional de que a competência se define em razão de o cerne do debate emanar de uma relação de trabalho.

Portanto, a Justiça do Trabalho, desde 2004, tem competência para a pacificação de todo e qualquer conflito que envolva a pactuação da força de trabalho humana, independente de existir ou não contrato de emprego entre as partes, o que se justifica pelo elevado grau de especialização desse tipo de litígio, pela formação profissional dos magistrados trabalhistas e, ainda, à vista da notória vocação constitucional deste ramo do Judiciário, construída historicamente para o trato dos princípios do valor social do trabalho e da livre iniciativa.

Em tempos nos quais os índices de ocupação informal começam a se sobrepor à contratação pelo regime celetista, assim como com o surgimento de relações trabalhistas autônomas ou não, no ambiente da economia 4.0, torna-se imprescindível reconhecer a importância da Justiça do Trabalho como segmento especializado na solução de conflitos que envolvam o trabalho humano, contribuindo para a criação de um ambiente de segurança jurídica no contexto das relações entre empregados, empregadores, prestadores e tomadores de serviços, garantindo o trabalho digno, o equilíbrio nas relações comerciais e a responsabilidade social.

Nesse sentido, compete à Justiça do Trabalho a apreciação das ações que envolvam entregadores, motoristas e todos os trabalhadores por aplicativo e as empresas titulares das plataformas digitais (art. 114, I da Constituição), independentemente de tratar-se de vínculo de emprego ou de relação de trabalho, já que inexiste relação de natureza puramente civil, ao contrário do que considerou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Conflito de Competência nº 164-544 – MG (2019/0079952-0). A essência é a do trabalho humano, independentemente da natureza contratual envolvida e, para dilemas que daí decorram, a Constituição democrática legou uma estrutura judiciária própria.

O Direito do Trabalho brasileiro possui dispositivos próprios para alcançar tais formas de contratação, além da proteção constitucional, prevista no artigo 7º, a ser observada. O parágrafo único, do artigo 6º da CLT, dispõe acerca da subordinação por meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, equiparando-os, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos, para a caracterização do contrato de trabalho, cuja análise, indiscutivelmente, como foi dito, compete à Justiça do Trabalho.

A questão da competência é, também, uma questão de afirmação da garantia constitucional que foi construída para a efetividade dos direitos de conteúdo econômico-social-trabalhista.

 

Marcelo Rodrigo Carniato é presidente da Amatra 13 e diretor administrativo da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

 é diretora de ensino e cultura da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).