A Justiça pede justiça

Autores: Guilherme Guimarães Feliciano e Rodrigo Trindade
Juízes estão mobilizados nesta quinta-feira (15), em todo o território nacional, não por privilégios, mas para que se faça cumprir a Constituição
Temos visto uma inusitada atenção de importantes segmentos da sociedade e da mídia para o tema da remuneração da magistratura. O que há de verdade?
Saiba o leitor que o “auxílio-moradia” do Judiciário é parcela indenizatória prevista em lei desde 1979.
Assim como se paga vale-transporte a quem tem carro, na perspectiva de minorar as despesas de deslocamento para o trabalho, a ajuda de custo para moradia alcança também quem tem imóvel próprio, independentemente de fatores pessoais.
No caso dos juízes, a ajuda de custo para moradia liga-se, por um lado, à característica da transitoriedade de domicílio, e, por outro, ao dever legal de residir na sede da jurisdição (para o que deveriam ser providos imóveis funcionais, que praticamente não existem).
A parcela, ademais, não é “universal”; pela regulamentação do CNJ, não alcança juízes aposentados, bem como os que coabitam por matrimônio (apenas um receberá). Na Justiça da União, passou a ser pago somente em 2014.
É democrático pensar critérios diferentes para a configuração desse direito legal, como é republicano que o STF os (re)examine.
Contudo, há condições necessárias para que essa “revisão” não seja um mero ato autoritário de satisfação ao clamor público: (a) qualquer alteração substantiva deve seguir o devido trâmite legislativo, já que se trata de um direito legal; (b) mantido o dever de o magistrado residir na localidade onde trabalha —como ocorrerá—, despesas havidas para o estrito cumprimento desse dever terão de merecer algum equacionamento; e (c) qualquer que seja a solução final deverá alcançar todos os juízes do país, porque o estatuto jurídico da magistratura é um só. Logo, caberá lançar um olhar cuidadoso às parcelas indenizatórias que, sob criativas denominações, existam nos estados da federação, mas não na União.
Juízes independentes são essenciais à democracia. Não é saudável, para o cidadão, que estejam todo ano às portas do Parlamento reclamando o cumprimento da Constituição (que prevê, para lhes assegurar a independência, irredutibilidade de subsídios e direito a revisão anual).
Apesar da essencialidade de suas funções, das responsabilidades e do rigor único na seleção, eles não contam com direito a horas extras, FGTS, adicional noturno ou nem sequer limite de jornada, para citar direitos trabalhistas mais comezinhos. Também não podem ter atividades paralelas que lhes ampliem remuneração, a não ser um cargo de docência. E, para mais, ainda submetem-se a cobranças habituais de produtividade e desempenho.
Desde que os subsídios da magistratura foram fixados em parcela única (2005), os juízes experimentam déficit estimado de 40% em seu valor de compra, em razão das perdas inflacionárias.
Ao lado do Ministério Público, compõem a única carreira de Estado sem revisão salarial em 2016/2017; e não se abriu, para tanto, rubrica orçamentária em 2018. Escandaloso, portanto, não é o que lhes é devido, mas o quanto de seus direitos constitucionais tem sido sonegado.
Qual, afinal, o porquê desse súbito despertar da moralidade? A quem serve a difamação de uma das únicas estruturas de Estado com razoável credibilidade, no que repele os grandes cancros nacionais (a corrupção, a supressão de direitos sociais, o abuso do poder econômico etc.)? E quem, no futuro, desejará dedicar-se a essa missão, à mercê de tamanha fúria demagógica? Nada é por acaso.
Diante daquele déficit acumulado, que já compromete quase a metade do poder de compra dos subsídios da magistratura (desde a lei 11.143/2005) —e isso em um país cuja Constituição garante aos juízes, a bem da sua independência técnica, a irredutibilidade de vencimentos—, os juízes do Trabalho, juntamente com os federais e os membros do Ministério Público Federal e do Trabalho, estão mobilizados nesta quinta-feira (15) em todo o território nacional. Não por privilégios. Mas para que, também em relação à magistratura e ao MP, faça-se cumprir —finalmente— a Constituição.
GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO, 44, é presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) RODRIGO TRINDADE, 40, é presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região.