Brasil deverá explicar à OIT se reforma trabalhista fere direito de sindicalização

Organização vê indícios de que mudanças na lei podem ferir convenções da entidade

Anaïs Fernandes

A OIT (Organização Internacional do Trabalho) convocou o Brasil a prestar esclarecimentos sobre possíveis violações à convenção 98 da organização, que trata do direito de sindicalização e de negociação coletiva.

Com outros 23 países, o Brasil integra uma lista em que o Comitê de Peritos da entidade destaca as principais nações signatárias que podem estar descumprindo determinações da OIT. O documento foi divulgado durante a Conferência Internacional do Trabalho, que acontece em Genebra, na Suíça.

O Brasil é membro da OIT desde sua fundação, em 1919, e signatário da convenção 98 desde 1952. Em nota, o ministro do Trabalho, Helton Yomura, afirmou que a inclusão do Brasil na lista dos 24 países é uma pesada injustiça.

Os técnicos apontaram três problemas trazidos pela reforma trabalhista, em vigor desde novembro do ano passado.

O primeiro é a possibilidade de o negociado predominar sobre o legislado. A nova lei ampliou a lista de temas sujeitos a essa situação. Para o Comitê, a medida possibilita que “acordos coletivos não deem efeito às medidas protetivas da legislação”.

Os técnicos destacam que, pela convenção 154 da organização, acordos coletivos devem ser estimulados quando possibilitam condições mais favoráveis ao trabalhador.

O documento questiona também a autonomia de negociação com o empregador para trabalhadores considerados hipersuficientes —que ganham acima do dobro do teto do INSS (isto é, mais de R$ 11.291,6 em 2018).

O Comitê afirma que o acordo individual entre trabalhador e empregador contraria a obrigação de promover negociações coletivas, determinada pelo artigo 4 da convenção da OIT.

Os técnicos dizem ainda que a ampliação da definição de trabalho autônomo exclui trabalhadores do escopo de sindicatos organizados.

“A reforma trabalhista trouxe a figura do trabalhador autônomo exclusivo, que tinha sido barrada pela medida provisória que caducou. A OIT identificou que, apesar de poderem ser contratados como um profissional da empresa, esses trabalhadores não pertencerão à respectiva categoria profissional e, portanto, não poderão se sindicalizar, o que diminuiria artificialmente a base do sindicato”, diz Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (associação dos magistrados brasileiros da Justiça do Trabalho).

A juíza Noemia Porto, vice-presidente da Anamatra, explica que não cabe à OIT nenhum tipo de sanção oficial. “Mas é uma exposição que ameaça as boas relações internacionais e abre caminho para outros países e empresas alegarem que o Brasil pratica dumping social para aumentar sua lucratividade, numa concorrência tida como desleal”, afirma.

Porto, que acompanha o evento como observadora, diz que agora a missão brasileira — com representantes de trabalhadores, empregadores e do governo— deverá apresentar suas argumentações e defesas à Comissão de Aplicação de Normas da OIT. Depois, serão emitidas recomendações ao país.

“A expectativa é que no julgamento sejam reproduzidas as mesmas recomendações do relatório, de revisão dos artigos que feririam a convenção 98, porque desde que a reforma trabalhista foi aprovada, não aconteceu nada de novo que mudasse a situação”, diz.

Segundo Antonio Neto, presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), e Nilton Neco, secretário de relações internacional da Força Sindical, que estão em Genebra acompanhando os debates, a reunião deve acontecer no início da próxima semana.

OUTRO LADO

Em nota, o ministro do Trabalho, Helton Yomura, diz que a inclusão do Brasil na lista dos 24 países foi feita “sem qualquer base técnica, desrespeitando o devido processo e com o único propósito de promover projeção pública internacional aos opositores da modernização trabalhista.”

“As acusações feitas ao Brasil, nesse caso via Ministério do Trabalho, fazem parte de um discurso político-partidário que está perdendo força no país, mas que ainda teima em sabotá-lo frente à opinião pública, usando, entre outros estratagemas, a tentativa de colocá-lo em situação de constrangimento internacional”, disse.

A CNI (Confederação Nacional da Indústria), que coordena a bancada de empregadores brasileiros no evento em Genebra, afirma que a reforma trabalhista modernizou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), está em linha com todas as convenções da OIT e, por isso, a inclusão do Brasil na lista não tem fundamento.

“A reforma trabalhista valorizou e sedimentou seus conceitos na legislação, não tendo relação alguma com supressão de direitos ou com precarização do trabalho”, disse a CNI em nota.

Segundo a entidade, a nova legislação, com o reconhecimento da negociação coletiva, estimula instrumento de harmonização das relações do trabalho e “busca dar a necessária segurança para que sindicatos e empresas encontrem soluções e ajustes que lhes sejam benéficos e compatíveis com a realidade de cada atividade produtiva.”

Ao mesmo tempo, diz a CNI, a nova lei “estabelece um limite claro de que os direitos assegurados na Constituição Federal permanecem protegidos, sem poderem ser reduzidos ou suprimidos.”

A CNI diz considerar a discussão do caso brasileiro pela Comissão de Aplicação de Normas uma oportunidade para qualificar a análise e sedimentar o alinhamento e a consonância da reforma trabalhista com os tratados internacionais. “O setor produtivo confia que a conclusão da comissão será no sentido de reconhecer que não há violação a convenções da OIT e de que a negociação coletiva não pode sofrer qualquer restrição.”

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/brasil-devera-explicar-a-oit-se-reforma-trabalhista-fere-direito-de-sindicalizacao.shtml