Juízes do trabalho e a reforma: primeiros horizontes de consenso

Teses de fóruns e congressos de Magistrados não se confundem com súmulas de jurisprudência editadas por Tribunais

Em coluna anterior – que mereceu o título O novo enigma da esfinge: como os juízes do trabalho tratarão a Reforma Trabalhista?” – havíamos discutido, caro leitor, neste mesmo espaço, o problema da interpretação/aplicação da Lei n. 13.467/2017 – a “Lei da Reforma Trabalhista “ – pelos juízes do Trabalho de todo o Brasil. Os juízes do Trabalho aplicariam, afinal, a tão criticada Reforma Trabalhista? E como a aplicariam?

Respondíamos, na ocasião, que os juízes trabalhistas evidentemente aplicariam a Lei n. 13.467/2017, porque é assim, afinal, que as Repúblicas funcionam (e não seria diferente com a República Federativa do Brasil): o Poder Legislativo aprova as leis (como de fato fez, quanto à Reforma Trabalhista, em julho de 2017), o Poder Executivo as sanciona (como também fez, no mesmo mês de julho, sem qualquer dos vetos supostamente prometidos ao Senado da República) e o Poder Judiciário, enfim, interpreta-as e aplica-as. Então, quanto a isto, jamais houve dúvida razoável.

Em coluna anterior – que mereceu o título O novo enigma da esfinge: como os juízes do trabalho tratarão a Reforma Trabalhista?” – havíamos discutido, caro leitor, neste mesmo espaço, o problema da interpretação/aplicação da Lei n. 13.467/2017 – a “Lei da Reforma Trabalhista “ – pelos juízes do Trabalho de todo o Brasil. Os juízes do Trabalho aplicariam, afinal, a tão criticada Reforma Trabalhista? E como a aplicariam?

Respondíamos, na ocasião, que os juízes trabalhistas evidentemente aplicariam a Lei n. 13.467/2017, porque é assim, afinal, que as Repúblicas funcionam (e não seria diferente com a República Federativa do Brasil): o Poder Legislativo aprova as leis (como de fato fez, quanto à Reforma Trabalhista, em julho de 2017), o Poder Executivo as sanciona (como também fez, no mesmo mês de julho, sem qualquer dos vetos supostamente prometidos ao Senado da República) e o Poder Judiciário, enfim, interpreta-as e aplica-as. Então, quanto a isto, jamais houve dúvida razoável.

Coisa diversa é indagar como os juízes do Trabalho interpretarão/aplicarão a Reforma Trabalhista. E, àquela altura, respondia: não sei”. E complementava: precisamente neste prévio “não saber” reside, em todo caso, a garantia do cidadão de que o seu litígio será examinado por um juiz natural, imparcial e tecnicamente apto para, à luz das balizas constitucionais, convencionais e legais, “dizer a vontade concreta da lei”, como queria CHIOVENDA.

A partir destes meses de maio e junho, entretanto, passa a ser possível “antecipar” as compreensões que possivelmente resultarão dominantes – ou, ao menos, as que certamente serão relevantes (ainda que afinal não perdurem, ante as pacificações de sentido que virão do Tribunal Superior do Trabalho e do próprio Supremo Tribunal Federal) – em torno da polêmica Lei da Reforma Trabalhista. Isto em razão de dois eventos.

O primeiro, relativo ao direito processual intertemporal, relaciona-se com a divugalção, pelo Tribunal Superior do Trabalho, de uma minuta de instrução normativa que deverá servir comorecomendação de entendimento para os juízes do Trabalho de todo o país (e não poderá efetivamente ser mais do que isto, a teor do que já decidiu a própria Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho – Processo n. 0017652-49.2016.5.00.0000/Cons1 –, ou estaríamos violando a garantia do juiz natural e a independência técnica dos magistrados), quanto à aplicação das novas regras processuais da Lei n. 13.467/2017 aos processos judiciais instaurados antes de 11/11/2017 (data em que a nova lei entrou em vigor). Desse evento, porém, não cuidaremos na coluna de hoje (mesmo porque, até o momento em que fechávamos este texto, a minuta de instrução normativa publicada ainda não havia sido votada pelo Pleno do TST; tão logo se aprove, voltaremos ao tema, nesta mesma coluna).

O segundo, com objeto bem mais abrangente – a alcançar praticamente todos os aspectos processuais e materiais da Lei n. 13.467/2017 –, diz com a realização do 19º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (XIX CONAMAT), em Belo Horizonte, na primeira semana do mês de maio, entre os dias 2 e 5. O CONAMAT é o evento que, nos termos do Estatuto da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, abriga as reuniões ordinárias da sua Assembleia Geral, “órgão sobernado da ANAMATRA, [que] compõe-se de todos os Magistrados Associados, ativos ou inativos, podendo deliberar sobre qualquer matéria estatutária ou de relevância para a Magistratura ou para o Poder Judiciário” (art. 13, caput e§1º). E o 19º CONAMAT prestou-se exatamente a discutir deliberar, no âmbito da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – que congrega mais de quatro mil juízes do Trabalho –, quais as posições oficiais da entidade acerca da Reforma Trabalhista, aprovada pouco menos de seis meses antes, por intermédio da Lei n. 13.467/2017. Seu tema central, com efeito, foi o dos “Horizontes para a Magistratura: Justiça, Trabalho e Previdência”. E, para além das conferências e dos paineis científicos oferecidos aos congressistas, eles próprios foram chamados para o debate associativo dos grandes temas do momento para a Magistratura e a Justiça do Trabalho, distribuindo-se por cinco comissões temáticas, a saber:

– Comissão 1: Perspectivas para a Justiça do Trabalho: autonomia, efetividade, justiça social;

– Comissão 2: Magistratura, previdência e prerrogativas;

– Comissão 3: Reforma Trabalhista: Constituição, tratados internacionais e Direito do Trabalho; e

– Comissão 4: Reforma Trabalhista: acesso, garantias processuais e efetividade.

Aprovadas as teses dos congressistas nas comissões temáticas – e as rejeições, por seu turno, eram irrecorríveis – , seguiam para debate e aprovação (ou rejeição) em plenária. Nas comissões, admitiram-se, para os enunciados de teses, emendas aditivas, supressivas e modificativas; já em plenária, apenas emendas supressivas (e, num caso e noutro, desde que não desnaturassem o sentido original da tese). E assim se aprovaram, afinal, exatas 103 teses (de 111 aprovadas nas comissões temáticas)que passam a compor o pensamento oficial da ANAMATRA a respeito dos assuntos nelas versados. E que sinalizam, por evidente, qual o pensamento dominante dos juízes do Trabalho acerca desses mesmos assuntos.

O presente artigo pretende, nessa alheta, trazer a lume, para o conhecimento geral e para o debate público, os resultados finais do 19º CONAMAT, basicamente nas duas comissões que se debruçaram sobre a Reforma Trabalhista: a Comissão n. 3, sobre o Direito Material do Trabalho, e a Comissão n. 4, sobre o Direito Processual do Trabalho (e que, pelo grande número de inscritos, acabou se subdividindo em duas subcomissões, a 4-A e a 4-B). Essas teses aprovadas na plenária do CONAMAT passam a ser, como dito, as posições oficiais da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho a propósito da Lei n. 13.467/2017.

Voilà.

O 19º CONAMAT E AS TESES DE DIREITO MATERIAL DO TRABALHO: CIÊNCIA, COERÊNCIA E RESISTÊNCIA

Para início de registro, caro leitor, merece enfática menção o reconhecimento, pelos magistrados trabalhistas participantes do 19ª CONAMAT, de que “o princípio da proteção deve ser compreendido como fundamento para a aplicação de uma regra jurídica, sob pena de não ser reconhecida como norma jurídica trabalhista”, reafirmando-se, ainda, a subsistência do caráter tuitivo do direito do trabalho” (Comissão 3).

De fato, histórica e cientificamente, o Direito do Trabalho se estrutura, em sua própria essência normativa, como mecanismo de compensação jurídica da natural desigualdade socioeconômica havida entre os integrantes das relações empregatícias, destinando-se a tutelar a parte materialmente vulnerável desse especial liame jurídico, a saber, a classe trabalhadora. A tese é por demais útil para refrear qualquer equivocado impulso científico tendente a anular a racionalidade protetiva intrínseca ao fenômeno juslaboral, erigindo-se, assim, como firme ponto de apoio para uma interpretação adequada dos diversos dispositivos legais advindos com a Reforma Trabalhista.

Ainda no âmbito da hermenêutica jurídica – e em íntima conexão com o enunciado anterior –, destacamos outra tese aprovada, desta feita para apontar que a Lei nº 13.467/2017 deve ser interpretada à luz de “interpretação sistemática e finalística, conforme a Constituição”, enxergando-se essa técnica como um verdadeiro dever do magistrado “com respaldo no artigo 2º do Código de Ética da Magistratura/CNJ, bem como nos artigos 1º, 8º e 139 do Código de Processo Civil, além do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e artigos 8º, caput e 769 da CLT” (Comissão 3). A tese é importantíssima na medida em que, a par de preservar o socialmente legítimo escopo protetivo do Direito do Trabalho, exige do intérprete compromisso de engajamento técnico na difícil tarefa de conferir mínima sistematicidade à Reforma Trabalhista, algo extremamente relevante à vista do notório déficit democrático havido no processo legislativo, de modo a estabelecer profícuo cenário de diálogo normativo da Reforma Trabalhista não apenas consigo mesma, como dado da realidade científica que deve portar coerência interna, mas também com o ordenamento jurídico trabalhista como um todo, bem assim e sobretudo com os próprios vetores formais e materiais que norteiam nossa Carta Magna e fundam nosso estado Democrático de Direito (v.g., dignidade humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos).

Levando em conta que não é a Constituição Federal que deve ser lida à luz da lei, mas, sim, a lei que deve ser lida à luz da Constituição Federal, o enunciado, em síntese, bem enfatiza a centralidade do prisma constitucional para a atividade interpretativa de todo e qualquer enunciado normativo, técnica que se apresenta ao magistrado também como um genuíno dever ético-funcional. Não sem razão, também figuram entre os enunciados aprovados um a preceituar que “será autoritária e antirrepublicana toda ação política, midiática, administrativa ou correicional que pretender imputar ao juiz do trabalho o “dever” de interpretar a lei n. 13.467/2017 de modo exclusivamente literal/gramatical” (Comissão 3), outro a referir que “os direitos e garantias fundamentais como patamar mínimo entre o negociado e o legislado” (Comissão 3) e mais um a estabelecer que “o exercício da autonomia privada coletiva, mesmo com a expansão prevista no art. 611-A/CLT, está limitado às questões concernentes aos interesses coletivos e individuais das categorias representadas, não sendo válida cláusula que precarize direitos sociais decorrentes de matérias constitucionalmente estabelecidas como de política de estado, por serem de ordem pública e de interesse social” (Comissão 3). Assertivas mais que oportunas, na medida em que vivemos tempos estranhos onde até mesmo a ameaça de extinção da Justiça do Trabalho tem sido levantada como elemento de convencimento na formação de um verdadeiro exército de burocratas especializados na técnica de reproduzir, acriticamente, o frio texto da lei, tarefa que, vale dizer, passa bem ao largo da relevância que a função jurisdicional detém no Estado Democrático de Direito, máxime perante um país tão desigual e carente de afirmação concreta da dignidade humana.

Cumpre dar destaque, igualmente, ao enunciado que firma a necessidade de se estabelecer crivo de compatibilidade vertical da Reforma Trabalhista também com os standards internacionais protetores dos direitos humanos no mundo do trabalho, fixados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). De fato, estabelece a tese aprovada que, mesmo que não se reconheça a inconvencionalidade de toda a Reforma Trabalhista, “há de se fazer pontualmente o controle de convencionalidade dos dispositivos por ela alterados”, porquanto “o Supremo Tribunal Federal reconheceu o caráter supralegal das convenções internacionais, devendo as leis ordinárias estar em consonância com a normatividade internacional, mormente no que se refere aos direitos humanos” (Comissão 3). Como se vê, trata-se de mais um válido esforço em demonstrar que a Lei nº 13.467/2017 não tem existência jurídica em si e por si, mas deve ser lida e compreendida com um mínimo de sinergia normativa também para com os tratados e as convenções internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil (o que decerto inclui as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil), instrumentos que o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido como portadores de caráter supralegal (CF, art. 5º, §§ 2º e 3º; STF, HC 87.585/TO e RE 466.343/SP), ou seja, diante dos quais a legislação ordinária deve prestar necessária adstrição e respeito. Nessa mesma linha de reforço de uma percepção sistemática e adequada da nova regência jurídico-trabalhista, vale trazer à baila enunciado também aprovado perante o 19º CONAMAT, cujo teor afirma que “a Lei nº 13.467/17 não é uma lei superior às demais. Não faz letra morta da Constituição Federal e dos Tratados Internacionais relativos aos direitos humanos e aos direitos sociais, nem se sobrepõe aos princípios, conceitos e institutos jurídicos do direito do trabalho” (Comissão 3).

Quanto à discutidíssima questão de direito intertemporal que envolve a Reforma Trabalhista, a que nos reportamos no início deste texto, os magistrados trabalhistas participantes do 19º CONAMAT aprovaram enunciado no sentido de que “o art. 2º da MP nº 808/2017, ao prescrever que ‘aplicam-se aos contratos de trabalho vigentes, na integralidade, os dispositivos da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017’, violou o princípio da irretroatividade da lei (CF, art. 5º, XXXVI), corolário dos princípios da segurança jurídica e da confiança”, estabelecendo, justamente por isso, relevante posicionamento assegurador de que, no que tange à incidência da nova legislação nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, “norma legal que reduza ou suprima direitos assegurados no sistema legal deverá, necessariamente, como regra geral, ser examinada de forma restritiva quando na hipótese de sua aplicação a um caso concreto” (Comissão 3). O enunciado, como se percebe, exterioriza o pensamento da magistratura trabalhista presente no conclave no sentido de que, como regra, os dispositivos de direito material que criem novas figuras, eliminem direitos ou estabeleçam restrições desfavoráveis aos trabalhadores somente valham para as relações de emprego inauguradas no novo ambiente normativo da Lei nº 13.467/2017.

O 19º CONAMAT também produziu enunciados específicos a respeito da contribuição sindical e a possível queda de sua compulsoriedade, sem dúvida um dos temas mais polêmicos da Reforma Trabalhista. Nesse particular, os magistrados presentes ao CONAMAT aprovaram tese, por maioria, no sentido de que “é inconstitucional a exigência de autorização prévia e expressa dos empregados, trabalhadores avulsos, agentes ou trabalhadores autônomos e profissionais liberais”, diante do “caráter tributário da contribuição sindical, em flagrante ofensa aos art. 8º, IV, 146, III da Constituição Federal e ao art. 149 do Código Tributário Nacional, que se equipara a lei complementar” (Comissão 3). Trata-se de balizamento relevante no contexto de uma miríade de decisões judiciais antagônicas a respeito do assunto. Tal sinalização confere reforço à tese da inconstitucionalidade da alteração legislativa promovida pela Reforma Trabalhista, revelando que a discussão continuará acesa e, de fato, demanda aprofundada e detida reflexão. Da mesma forma, aprovou-se enunciado asseverando que “a fixação de contribuição, conforme tomada de decisão em assembleia geral dos membros da categoria, não se contrapõe ao princípio da liberdade de associação sindical consagrado pela Constituição Federal de 1988” (Comissão 3), mais uma diretriz demasiadamente polêmica, mas que, de toda forma, representa o pensar da maioria dos presentes no importante conclave organizado pela ANAMATRA e que, por certo, bem pode servir como reforço argumentativo em julgamentos vindouros que com essa tese se afinam.

Quanto ao teletrabalho, valiosíssimos enunciados foram aprovados. Estabeleceu-se, por exemplo, que o teletrabalhador fará jus a horas extras “nos casos em que for possível o acompanhamento ou controle indireto da jornada de trabalho pelo empregador, ainda que por meios informatizados ou telemáticos” (Comissão 3), o que traduz pertinente aplicação do princípio da primazia da realidade – vetor axiológico central no Direito do Trabalho – e exprime importante fator de garantia de cumprimento de anseios constitucionais e internacionais relacionados ao direito à desconexão. Semelhantemente, foi aprovada tese bastante útil para conferir um mínimo de balizamento técnico e segurança jurídica à complexa temática do dever patronal de controle dos riscos inerentes ao teletrabalho. Com efeito, estabeleceram os participantes do 19º CONAMAT que “sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho para fins de fiscalização do meio ambiente laboral, deverá se dar: (i) com a anuência e presença do empregado ou de alguém por ele indicado; (ii) a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto o controle da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho; (iii) em horário comercial segundo os usos e costumes do local; (iv) com respeito aos direitos fundamentais – intimidade e vida privada – do empregado” (Comissão 3). Da mesma forma, firmou-se enunciado estabelecendo que “o acidente ocorrido no local onde o teletrabalho e exercido durante a atividade profissional do teletrabalhador é presumido como acidente de trabalho (art. 8º da CLT c/c artigo L1222-9 do Código do Trabalho francês)” (Comissão 3), diretriz que propicia integração normativa por tudo elogiável – no rumo, aliás, de tese de livre-docência defendida perante a Universidade de São Paulo, em 2009, por um dos autores deste texto2 –, na medida em que busca no direito francês base jurídica suficiente e razoável para solucionar questões não expressamente resolvidas na regência jurídica brasileira.

A respeito do trabalho intermitente, figura que tem suscitado variadas interpretações e atraído inúmeras dúvidas entre os intérpretes, os debates científicos travados no 19º CONAMAT também ofertaram relevantes contributos jurídicos. De fato, firmou-se, por exemplo, que “seja observado salário mínimo mensal, justo e razoável, como prevê a Constituição (artigo 7º, IV, V e VII) e a Convenção nº 95 da Organização Internacional do Trabalho” (Comissão 3), bem como que “o contrato de trabalho intermitente, previsto pela Lei nº 13.467/2017, é inconstitucional por violar o regime de emprego, a dignidade humana, o compromisso com a profissionalização e o patamar mínimo de proteção devido às pessoas que necessitam viver do seu trabalho, ferindo, ainda, o direito de integração na empresa (art. 7º, I da Constituição)”, frisando-se, ainda, que “a cidadania para o trabalho se expressa no direito à ocupação digna, que contemple condições mínimas de proteção jurídica, segurança e igualdade, além de previsibilidade e permanência do trabalhador no mercado” (Comissão 3). Cuida-se de teses ousadas e francamente denunciadoras do abissal distanciamento normativo existente entre a regência jurídica do contrato de trabalho intermitente e mínimos parâmetros ético-civilizatórios estabelecidos em nossa Constituição Federal para o labor humano.

No que diz respeito ao instituto das horas in itinere, a magistratura trabalhista presente no 19º CONAMAT avalizou importante sinalização de parte da doutrina3 que tem defendido a mantença da consideração do lapso de deslocamento como tempo à disposição do empregador – devidamente remunerado, portanto – “caso o transporte seja fornecido pelo empregador e estando o local de trabalho situado em local de difícil acesso ou se não houver transporte público regular” (Comissão 3). Verdadeiramente, do novo texto do parágrafo 2º do art. 58 da CLT não constou que o pagamento dessas horas de trajeto também esteja excluído nas excepcionais hipóteses em que o local da prestação de serviço for de difícil acesso ou não servido por transporte público regular. Registre-se, a propósito, que o legislador reformista não revogou disposições legais que consideram o período de deslocamento em condições especiais como tempo à disposição do empregador, como se dá com mineiros (CLT, art. 294) e ferroviários (CLT, art. 238, § 3º), o que só reforça a razoabilidade desse encaminhamento hermenêutico, ainda que pelo clássico expediente da analogia, cujo uso em seara juslaboral é igualmente afiançado pelo mesmo art. 8º celetista. A questão, portanto, não é tão simples e certamente ainda atrairá muita discussão.

Quanto ao fenômeno da terceirização, vale referir acerca de enunciado a estabelecer que, “em interpretação conforme a Constituição, é ilícita a terceirização da atividade permanente da empresa, excetuada a hipótese do trabalho temporário”, bem como que, “a teor do art. 5º-A da Lei nº 6.019/1974, a terceirização de atividade-meio torna-se igualmente ilícita quando: (a) a prestadora de serviços não exerce atividade empresária típica (p. ex., “laranjas”); (b) a prestadora de serviços não é sociedade empresária ou não pode exercer atividade empresária típica (p. ex., associações civis e cooperativas em geral); e (c) a prestadora de serviços não detém idoneidade econômica para suportar os encargos trabalhistas e previdenciários ordinários decorrentes da atividade contratada. Em todos esses casos, tomadora e prestadora responderão solidariamente pela reparação de ofensa ou violação a direitos laborais” (Comissão 3). Da mesma forma, há enunciado asserindo que “a Lei nº 6.019/74, alterada pela lei nº 13.467/2017, no que tange à prestação de serviços a terceiros, não se aplica à administração pública direta ou indireta, em razão do disposto no art. 37, caput e incisos I e II da Constituição Federal” (Comissão 3), bem assim garantindo responsabilidade objetiva e solidária da contratante tomadora em temática alusiva à saúde do trabalhador com amparo no postulado constitucional da isonomia e no próprio Direito Ambiental, impondo-se, para isso, “necessária aplicação do art. 225, parágrafo 3º da CF c/c art. 14, parágrafo 1º da Lei 6.938/81, na interpretação sistemática do artigo 4º-C da Lei 6.019/74, com redação dada pelo art. 2º da Lei 13.467/17” (Comissão 3). Perceba-se o profícuo esforço hermenêutico contido nessas proposições teóricas, que, em essência, apenas retratam referenciais normativos perfeitamente hauridos no ordenamento jurídico-constitucional com vistas a conferir balizamentos mais equânimes à tutela jurídica do trabalho terceirizado, amenizando, com isso, a grave precarização que essa modalidade contratual naturalmente suscita, inclusive com a perversa majoração de riscos labor-ambientais, em nítida ofensa ao disposto no art. 7º, XXII, da Carta Constitucional.

Ainda no âmbito do Direito Material do Trabalho, soa interessante ainda fazer expressa alusão a enunciado que dispõe sobre “a obrigatoriedade da assistência sindical na rescisão do contrato de trabalho, independentemente do tempo de serviço, e o seu consequente procedimento devem ser respeitados quando previstos em convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho” (Comissão 3), proposição que está afinada não só com o princípio protetivo e o fomento constitucional à autonomia privada coletiva (art. 7º, XXVI), como também com o próprio discurso de prevalência do negociado sobre o legislado que permeou toda a gestação da Reforma Trabalhista. Afinal, não se há de partir para a insana exegese de que o negociado só prevalecerá quando mais prejudicial à classe trabalhadora. Esse tipo de assertiva jurídica ofenderia não apenas a essência tuitiva do Direito do Trabalho, como também os próprios fins sociais a que esse ramo jurídico se destina (LINDB, art. 5º) e a inequívoca diretriz constitucional que assegura a constante melhoria da condição social da classe obreira (art. 7º, caput, in fine).

Ao final desta seção, também vale fazer destaque ao enunciado que propugna que “o art. 442-B da CLT deve ser interpretado no sentido da existência de contrato de trabalho, quando houver prestação de serviços de modo exclusivo ou não, com a ausência de autonomia e presença dos requisitos do contrato de trabalho (art. 9º, 2º e 3º da CLT), afastando-se a pejotização para possibilitar que o empregado faça jus aos benefícios previstos para a categoria profissional à qual pertence, valorizando a sua sindicalização” (Comissão 3), referencial teórico importante não apenas para coibir fraudes à correta configuração de elos de emprego, fazendo valer os princípios da primazia da realidade e da boa-fé objetiva, mas sobretudo para, alargando o campo de visão do intérprete, enxergar no art. 442-B da CLT também um perigoso risco ao direito fundamental à sindicalização, inibindo-se, assim, a ocorrência de qualquer resultado jurídico que importe supressão do efetivo gozo do status jurídico de associado sindical.

O 19º CONAMAT E AS TESES DE DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO: GARANTISMO PROCESSUAL

O 19º CONAMAT produziu diversas teses no campo do direito processual do trabalho. Confira-se, desde logo, aquela que estabelece serem “inaplicáveis as alterações da Reforma Trabalhista aos processos em curso antes da sua vigência, face ao princípio tempus regit actum e tendo em vista a irretroatividade da lei processual nova para alcançar atos praticados na vigência da lei anterior, adotando-se, para tanto, as regras existentes no momento da distribuição da ação, sobretudo quanto aos institutos que exercem influências diretas sobre o direito material, como a gratuidade da justiça, os requisitos da peça de ingresso e a sucumbência” (Comissão 4-A). O enunciado, todavia, merece críticas. É que, ao asseverar que devem ser adotadas “as regras existentes no momento da distribuição da ação”, tout court, sem ressalvas, o preceito acaba negando a aplicação da teria do isolamento dos atos processuais, consagrada em nosso ordenamento jurídico, a referir que se aplicam ao ato processual a lei vigente quando de sua prática. Assim, tal como aprovado, o enunciado legitima, por exemplo, que os específicos processos que se iniciaram antes da Reforma Trabalhista durante todo o seu curso, não importa quanto tempo durem em sua tramitação, em nenhum momento recebam contagem de prazos em dias úteis, o que, com todo o respeito, não nos parece razoável. Perceba-se, além disso, que o texto da tese é nitidamente contraditório, pois invoca o brocardo “tempus regit actum”, entretanto defende que a lei processual a incidir não é a da prática do ato, mas, sim, a do ajuizamento da ação, o que é coisa bem diversa da ideia nele contida.

Já no que concerne à questão de direito intertemporal envolvente da ideia de sucumbência, andou bem, a nosso ver, o material produzido, ao aduzir que “são inaplicáveis aos processos em curso por ocasião do início de vigência da lei da “Reforma Trabalhista”, os novos dispositivos que preveem sucumbência quanto aos honorários advocatícios e, mesmo ao beneficiário da justiça gratuita, de exigibilidade de pagamento de honorários periciais na hipótese de sucumbência na pretensão que demandou a perícia” (Comissão 4-A). Aqui, impõe-se, de fato, posicionamento mais sensível e afinado com os princípios da proteção da confiança, vedação da decisão surpresa e boa-fé objetiva processual, evitando-se atribuição de encargos financeiros não ventilados quando do ajuizamento da ação, máxime pelo fato de que esses institutos, a bem da verdade, justamente por esse marcante efeito pecuniário, acabam por deter natureza jurídica híbrida, a um só tempo processual e material.

As novas disposições sobre a petição inicial trabalhista também foram objeto de reflexão no 19º CONAMAT. A plenária aprovou tese no sentido de que “indicação de valor do pedido na inicial não é liquidação e não limita o valor da condenação” (Comissão 4-A), convergindo para os vários entendimentos doutrinários que não divisam, no novo parágrafo 1º do art. 840 da CLT, a exigência de detalhamentos formais por meio de memória de cálculos, mas a simples indicação do valor do pedido, de acordo com as balizas fáticas e documentais ofertadas pelo autor; e, para mais, revela a compreensão de que, em todo caso, o valor apontado pelo reclamante na petição inicial não vincula a condenação, sendo, portanto, plástico e flexível. Não temos dúvidas de que a tese tenta militar no campo da informalidade e simplicidade, princípios marcantes no processo do trabalho, oferecendo-se como um norte interpretativo em meio à larga polêmica que o assunto tem instigado, especialmente perante profissionais da advocacia que estão enfrentando a difícil problemática diária de delimitar valores aos pedidos da exordial trabalhista em meio a todas as dificuldades que corriqueiramente permeiam esse tipo de peça processual. Afinal, o trabalhador usualmente não detém, no início da lide, elementos documentais aptos a ensejar uma apuração precisa e rigorosa do exato montante a ser postulado.

Aprovou-se, de mesma cepa, enunciado a estabelecer que “a exordial que não atende os requisitos legais enseja oportunidade para emenda e não imediata sentença sem exame do mérito, sob pena de desrespeito ao direito autoral à integral análise da causa” (Comissão 4-A). Essa diretriz hermenêutica certamente se escora no princípio da primazia do julgamento de mérito, altamente enfatizado no novo CPC (arts. 4º, 6º e 488), evidenciando seus reflexos no processo do trabalho, com impactos positivos dentro dos marcos constitucionais de máxima eficiência e plena garantia do contraditório e da ampla defesa, com resolução efetiva de lides sociológicas (e não a mera extinção formal de processos).

O 19º CONAMAT também oferece exegese útil ao art. 844, § 5º, da CLT, apontando que tal dispositivo “não impede os efeitos da revelia” (Comissão 4-A). Nesse novel preceito celetista traz-se norma mitigadora da exigência da presença física do reclamado ou preposto seu na primeira audiência, admitindo que se afaste a revelia caso compareça ao ato seu advogado e apresente contestação, diante da valorização do ânimo de defesa que a lei agora passa a abraçar. Contudo, o afastamento da revelia pela presença solitária do advogado do reclamado munido da defesa não afasta necessariamente seu efeito principal. Concentrada ou fracionada a audiência inicial, a ausência do reclamado com advogado presente munido de contestação não implicará mais revelia, de fato, mas decerto persistirá sua confissão ficta, pois seu não comparecimento inibe a hipótese de obtenção da confissão real pela impossibilidade de realização de seu interrogatório. Por isso, é feliz e acertada a proposta hermenêutica chancelada em plenária.

No que tange à celeuma que tem girado em torno do art. 841, § 3º, da CLT, e a fixação do exato momento em que o autor pode formular desistência da ação sem necessitar da anuência da parte contrária, propõe-se tese a expressar que “a CLT estabelece que o momento processual próprio para o demandado ‘oferecer a contestação’ é na audiência, após rejeitada a conciliação e efetuada a leitura da petição inicial. Ainda que a parte demandada remeta a contestação antes da fase processual prevista em lei, não há razão para a anuência enquanto não atingido tal momento processual” (Comissão 4-A). Ora, como se sabe, a teor do art. 847 da CLT, no âmbito da processualística laboral, a contestação não é entregue ou considerada entregue na abertura da audiência, mas apenas depois do insucesso dos primeiros esforços para obtenção de solução consensual do litígio. Consequentemente, o reclamante pode desistir unilateralmente da reclamação até o início da primeira audiência, ainda que já presente o reclamado e desde que, frustrada a primeira proposta de conciliatória, ainda não tenha contestado a ação. O enunciado agrega ainda um excelente argumento abonador dessa tese ao dispor, em sua parte final, que “a defesa só é validamente ‘oferecida’ quando alcançado o momento previsto em lei à prática do ato processual. Assim não fosse, não caberia aditamento oral à peça escrita enviada até a audiência, em face da preclusão consumativa”. Assertiva irrepreensível.

Também há tese aduzindo ser “inconstitucional a expressão ‘será feita pela taxa referencial (TR)’ do art. 879, § 7º DA CLT (incluído pela Lei nº 13.467/2017), devendo ser utilizado o IPCA-E para atualização dos créditos decorrentes da condenação judicial” (Comissão 4-A). A proposta é estreitamente relacionada com decisões do STF que reconheceram a utilização do IPCA-E como índice de atualização monetária de dívida da Fazenda Pública no período entre a inscrição do débito em precatório e seu efetivo pagamento (ADI 4.357/DF e ADI 4.425/DF). Todavia, o Tribunal Superior do Trabalho, em Arguição de Inconstitucionalidade nº 479-60.2011.5.04.0231, declarou a inconstitucionalidade da expressão “equivalentes à TRD” constante do art. 39 da Lei nº 8.177/91. Entendeu o TST, realizando uma declaração de inconstitucionalidade por arrastamento do mencionado dispositivo, que, ao permanecer aquela regra, “a cada dia o trabalhador amargará perdas crescentes resultantes da utilização de índice de atualização monetária do seu crédito que não reflete a variação da taxa inflacionária” (trecho da ementa do voto do Relator). Fazendo uma interpretação conforme a Constituição, considerou o TST, na oportunidade, que o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas deve ser preservado, no entanto, deve-se expungir do texto legal a expressão que atenta contra a Constituição, definindo-se o direito à incidência de índice que reflita a variação integral da “corrosão inflacionária”, dentre os diversos existentes (IPC, IGP, IGP-M, ICV, INPC e IPCA, por exemplo), acolhendo-se o IPCA-E4. Mais recentemente, em acórdão publicado em Embargos Declaratórios, no dia 30 de junho de 2017, o TST, atribuindo efeito modificativo ao julgado, no que toca aos efeitos produzidos pela decisão em tela, decidiu fixar o índice a partir de 25 de março de 2015, realizando-se, assim, a modulação. Portanto, a tese aprovada no 19º CONAMAT propõe que se faça desde logo rigoroso crivo crítico do art. 879, § 7º, da CLT, na esteira do quanto vem decidido o STF a respeito das insuficiências da TR enquanto instrumento jurídico de recomposição da inflação e promoção de eficaz salvaguarda do direito fundamental de propriedade do credor trabalhista.

Também é possível ver enunciado colocando em xeque a validade do disposto no art. 899, § 11º, da CLT, ao permitir a substituição do depósito recursal em dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia judicial, “em razão da sistemática aplicável a esse tipo de instrumento, limitada a determinado tempo de vigência e, portanto, incompatível com o sistema recursal brasileiro, baseado na indeterminação do tempo” (Comissão 4-A). Nesse particular, a Reforma Trabalhista resolve problema histórico dos reclamados. É que, não raro, ocorre do empregador ter patrimônio, mas não liquidez que permita proceder ao depósito recursal. Como se vê, a partir da vigência da Lei nº 13.467/2017, o depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial. Assim, o recorrente poderá buscar junto a uma instituição financeira garantia equivalente ao valor do depósito recursal, viabilizando, assim, o preparo para interposição do apelo. O caráter relativamente precário dessas garantias é agora base para uma crítica que, segundo pensamos, apesar de razoável, dificilmente vingará na prática, dada a expressa previsão legal viabilizadora da utilização dessa ferramenta, sem cogitações maiores a respeito de sua temporalidade. De todo modo, pode o magistrado promover rigoroso controle de validade desses instrumentos com vistas a garantir sua máxima eficácia no processo trabalhista, inclusive ordenando oportunas revalidações e substituições com o escopo de preservar a inteireza de seus escopos processuais.

Importante enunciado processual diz com que a fixação da tese de que “não há como impedir a execução de ofício. A execução é fase essencial da atividade jurisdicional e, portanto, cumpre ao juiz promover todos os atos necessários para entregar a quem o tem, o direito judicialmente declarado” (Comissão 4-A). A proposta busca manter a eficiência e a celeridade da jurisdição trabalhista (CLT, art. 765) como fatores de concretização do princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII). Nem se olvide, aliás, que a própria Carta Magna impõe a execução oficiosa de contribuições previdenciárias apuradas nas condenações trabalhistas (art. 114, VIII), não se podendo admitir que o acessório seja executado ex officio e não o possa a verba principal – geralmente de caráter alimentar. Por conta disso e de outros fatores que o tempo não nos permite alinhavar, não há dúvidas de que remanesce ao magistrado a faculdade de, querendo, por exegese sistemático-constitucional, promover a execução de ofício da execução trabalhista, ainda que o exequente tenha constituído causídico a tanto habilitado. Afinal, o devedor não tem direito fundamental a uma duração lenta do processo. Antes, pelo contrário, é o credor quem tem o direito fundamental a um processo célere e eficiente, cabendo ao magistrado garantir meios hábeis ao alcance desse relevante desiderato constitucional.

Nessa mesma trilha de eficiência e celeridade, ganha destaque enunciado aprovado a afirmar que “nos casos em que há inadimplemento de verbas rescisórias, cujo caráter de subsistência imediata é inegável, legitimando a urgência do provimento, é possível a aplicação dos artigos 520 e 521 do CPC para liberar imediatamente o depósito recursal ao reclamante” (Comissão 4-A). Sem dúvida, trata-se de proposta inteiramente viável, senão recomendável, em situações de profunda necessidade material em processo trabalhista com perseguição de créditos de natureza alimentar e credor imerso em situação de desemprego – cenário relativamente comum no cotidiano da Justiça do Trabalho. Medida dessa magnitude decerto atende aos princípios constitucionais da celeridade, eficiência e duração razoável do processo (art. 5º, XXXV e LXXVIII). Ainda nessa linha de máxima eficiência, desta feita por meio do instituto da antecipação dos efeitos da tutela, destacamos importante outro enunciado, cujos termos seguem: “Intensificação da tutela antecipada como instrumento do processo trabalhista. Observância da dignidade humana e da valorização social do trabalho. Duração razoável do processo. Dispositivos do CPC combinados com o art. 765, da CLT” (Comissão 4-A).

No tocante ao tema do alcance do benefício da gratuita da justiça, outra faceta altamente polêmica da Reforma Trabalhista, vale destacar enunciado a firmar que “as regras que determinam o pagamento de custas em processo arquivado ao trabalhador e que impedem ajuizamento de ação sem a prévia quitação de custas pelo beneficiário da justiça gratuita encerram texto manifestamente inconstitucional, colidindo com os artigos 5º, XXXV, LIV e LXXIV da Constituição Federal de 1988” (Comissão 4-B). Ademais, há enunciado estampando o seguinte texto: “A pessoa natural que receba salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do valor máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social automaticamente é beneficiária da justiça gratuita, independentemente de declaração de hipossuficiência ou de qualquer outra prova” (Comissão 4-B). Na mesma senda protetiva, verifica-se tese no sentido de que “estando desempregado o autor da demanda trabalhista, presume-se a insuficiência econômica, independentemente do último salário percebido ou de qualquer outra prova documental, bastando a mera declaração do interessado para a concessão da benesse (art. 99, §3º, CPC/15)” (Comissão 4-B). São todos enunciados que promovem correto crivo de compatibilidade constitucional sobre o texto da Reforma Trabalhista, garantindo-se ao hipossuficiente econômico eficácia plena quanto ao direito fundamental estampado no art. 5º, LXXIV, da CF/1988 (“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”).

Chama-nos a atenção, ademais, arguto enunciado que propõe solução para aquelas situações em que, não mais se podendo determinar a antecipação de honorários periciais (CLT, art. 790-B, § 3º), a produção da prova técnica se vê inviabilizada porque o perito informa não poder executar seu serviço sem o necessário custeio de gastos iniciais que só a antecipação poderia viabilizar. Assim, propõe-se em tese aprovada no 19º CONAMAT: “O fato de o perito judicial exigir a antecipação de honorários para realização da perícia não ofende o § 3º do art. 790-B da CLT, devendo, na ausência do pagamento do valor fixado pelo juiz, o processo ser julgado em conformidade com a regra de distribuição do ônus da prova, partindo de presunção em favor do reclamante. Isso porque pertence ao empregador a responsabilidade pelos riscos criados no ambiente de trabalho, sendo direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (inciso XXII, do art. 7º da CF)” (Comissão 4-B). Logo, tratando-se de temática envolvendo meio ambiente do trabalho e uma vez sendo do empregador o dever de controle de riscos e o dever de efetiva manutenção do equilíbrio do labor-ambiente, por certo recai sobre a empresa reclamada o ônus de provar suas alegações. E se a prova pericial se revelar imprescindível nos autos e o perito se negar a cumprir o encargo, de fato, surge um problema a ser resolvido por quem é detentor do encargo probatório. Nessa linha de raciocínio, consultada a demandada a respeito e mantendo a postura que gera impossibilidade concreta de realização da prova pericial, estaria o magistrado, então, segundo a tese em testilha, autorizado a encerrar a instrução processual e julgar o processo à luz das regras de distribuição doonus probandi, proferindo julgamento solucionador do caso, sobretudo porque o processo precisa tramitar em duração razoável (CF, art. 5º, LXXVIII).

Ainda a respeito de honorários periciais em relação ao beneficiário da justiça gratuita, cumpre-nos também lançar foco no enunciado que afirma a seguinte tese: “O fato de o trabalhador ter percebido crédito trabalhista em ação judicial não elide, por si só, a situação de miserabilidade jurídica de beneficiário da justiça gratuita, sendo inconstitucional a previsão do art. 790-B, § 4º, da CLT de compensação de crédito trabalhista para pagamento dos honorários periciais” (Comissão 4-B). De fato, como bem destacado no texto do enunciado em foco, “os créditos trabalhistas reconhecidos em juízo são de natureza alimentar superprivilegiada e marcados pela intangibilidade (…). A regra viola o princípio da isonomia, o direito fundamental de amplo acesso à jurisdição e à garantia fundamental de gratuidade judiciária (…), impondo à parte juridicamente pobre condição financeira para litigar”. Cuida-se de compreensão correta da regência jurídico-constitucional que deve permear a questão, não sendo legítima que o credor pobre em processo trabalhista seja tratado de maneira mais rigorosa que o credor pobre em processo civil, já que no CPC não há previsão semelhante de retenção abrupta de créditos. Para além dessa importante mácula ao postulado constitucional da isonomia (arts. 3º, IV, e 5º, caput), o regramento sob crítica também fere de morte o direito fundamental igualmente constitucional à assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV).

O 19º CONAMAT E O PAPEL DE SUAS TESES: EPÍLOGO

Como palavras finais, amigo leitor, vale aproveitar o espaço para repelir, com a elegância possível, as reações figadais que logo vieram, à vista do caráter tuitivo das teses aprovadas por ocasião do 19º CONAMAT, de alguns segmentos políticos mais reacionários. Chamou a atenção, por todos, o obscurante artigo publicado pelo Deputado Rogério Marinho, relator do PL n. 6.787/2016 – o da Reforma Trabalhista –, no jornal “O Globo”.

Teses aprovadas em CONAMATs, ou em quaisquer outros eventos de natureza político-científica realizados por magistrados, não são vinculantes; e nem poderiam sê-lo. Jamais foram anunciadas como definitivas, como se vinculassem os juízes do Trabalho; e desafio o sr. Deputado a demonstrar onde e quando alguém de nós afirmou, em qualquer espaço ou momento,  serem tais teses “vinculantes”. É elementar, para o aluno de primeiro semestre de qualquer curso de Direito que se preze, a constatação de que teses de fóruns e congressos de Magistrados não se confundem com súmulas de jurisprudência editadas por Tribunais.

Súmulas de jurisprudência, vinculantes ou não, sintetizam a reiteração e a convergência das decisões de um tribunal judicial sobre certo tema, visando a agilizar julgamentos de causas repetitivas e sinalizar a definição do entendimento da corte para os demais tribunais do país e também para os cidadãos. As teses de fóruns e congressos científicos, por sua vez, decorrem de estudos e debates científicos, objetivando: (a) orientar a atuação política e científica da entidade promotora; e (b) colaborar para a evolução da atividade judicante. Veja-se, p. ex., o que fez o Conselho da Justiça Federal, cujo Centro de Estudos Judiciários realizou, em agosto último, a I Jornada de Direito Processual Civil, a aprovar, em torno do novo Código de Processo Civil (2015), nada menos que 107 proposições, a partir de debates e votações entre juízes. Seriam também “vinculantes” ou “autoritárias”? Certamente não.

Diga-se, outrossim, que todos os juízes deste mundo utilizam, para a interpretação e a aplicação de novos textos de lei, da combinação de variadas técnicas hermenêuticas, como a interpretação lógico-sistemática e teleológica, o controle de convencionalidade e o controle difuso de constitucionalidade, acolhido pelo Ocidente desde pelo menos 1803 (Marbury v. Madison). Tal controle difuso pode ser exercido para considerar a constitucionalidade da lei em tese, embora seus efeitos restrinjam-se ao caso concreto. Assim, p. ex., se a escala 12×36 firmada sem negociação coletiva for inconstitucional, como entendemos ser, esse reconhecimento haverá de se dar necessariamente “in abstracto”, ainda que a declaração ocorra em cada caso concreto no qual se apresentar. Tal inconstitucionalidade, na perspectiva de um mesmo juiz, não variará em função de processos, autores ou réus; e nem poderia.

Esses esclarecimentos servem, finalmente, para que o leitor compreenda que qualquer tentativa de tolher a liberdade científica e/ou de expressão de uma associação civil trará sempre consigo, explicita ou subjacentemente, o desapreço pelo pluralismo dialógico; ou ainda, a depender da origem da censura e da natureza da associação destinatária (se, p. ex., uma associação de juízes), uma repulsa implícita à própria separação constitucional dos poderes da República. Recusar a uma associação civil, na esfera legítima de sua atuação institucional, o direito de promover seus próprios estudos e debates – o que tem sido feito livre e proficuamente, no caso da ANAMATRA, desde 1990 –, é retroceder ao século XVIII e à Lei Le Chapelier (1791), demonizadora dos “corpos intermediários” (que atuam entre o Estado e o indivíduo – como são, p. ex., as associações, os partidos políticos e os sindicatos). Nada há de “moderno” nisto.

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Sigo à disposição, caro leitor, no e-mail abaixo, para dialogar com você. Diga o que tem achado da coluna. Indague-me. Provoque-me. Sugira-me. Sou todo ouvidos. E como sempre digo por aqui, você é o réu do seu juízo.

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1 A consulta foi formulada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), quanto à natureza da Instrução Normativa n. 39/2016 – aprovada pela Resolução n. 203, de 15.3.2016, do Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, para dispor sobre a aplicabilidade do CPC de 2015 ao processo do trabalho –, e obteve por resposta, em conclusão, o seguinte: 1) a interpretação do Juiz do Trabalho em sentido oposto ao estabelecido na Instrução Normativa nº 39/2016 não acarreta qualquer sanção disciplinar; 2) a interpretação concreta quanto à aplicabilidade das normas do CPC (Lei nº 13.105/2015), em desconformidade com as regras da Instrução Normativa nº 39/2016 não desafia o manejo da correição parcial, por incabível à espécie, até porque a atividade hermenêutica do ordenamento jurídico exercida pelo magistrado encerra tão somente o desempenho da sua função jurisdicional, o que não implica em tumulto processual para os efeitos do caput do art. 13 do RICGJT, apto a ensejar a medida correicional; 3) como consequência lógica da resposta atribuída à segunda questão, tem-se por prejudicada a terceira questão e, por conseguinte, a sua resposta. Todavia, compre salientar que a Instrução Normativa nº 39/2016 foi aprovada considerando a imperativa necessidade de o Tribunal Superior do Trabalho firmar posição acerca das normas do novo Código de Processo Civil aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, e, assim, resguardar às partes a segurança jurídica exigida nas demandas judiciais, evitando-se eventual declaração de nulidade em prejuízo da celeridade processual. Ressalte-se que tal imperativo se revela ainda mais premente diante das peculiaridades do Direito Processual do Trabalho, advindas da relação material celebrada entre empregados e empregadores, na qual se verifica, a rigor, a condição de hipossuficiência do trabalhador. Por esse motivo é que se espera a colaboração e comprometimento dos órgãos da Justiça do Trabalho de primeiro e de segundo graus, a fim de que adequem os seus atos processuais aos parâmetros estabelecidos na Instrução Normativa nº 39/2016, com vistas à uniformização das normas a serem aplicadas no âmbito do Processo do Trabalho”. A decisão, do então Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, Min. Renato de Lacerda Paiva, é de 1º de setembro de 2016.

2 V. FELICIANO, Guilherme G. Do pré-contrato de trabalho: O contrato preliminar de trabalho no iter da contratação laboral: abordagem comparativa e jusfundamental. São Paulo: LTr, 2010. Passim.

3 SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. Reforma trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017 e da MP nº 808/2017. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2018, p. 51.