Desemprego crescente e as três âncoras das novas Leis Trabalhistas.

“O recorrente discurso de estímulo ao empreendedorismo não se sustenta para os que são direcionados a sair da relação de emprego. A renda dos trabalhadores autônomos corresponde a apenas 75% do que recebem empregados formais. Isso mostra como o escape da CTPS não tem levado a criação de novos indivíduos empresários, mas simples busca de sobrevivência em relações informais e desprotegidas”.
Autor(a): Rodrigo Trindade *
Com as estatísticas saindo do forno, fica mais fácil de confirmar o já previsto. Segundo o Pnad, fechando fevereiro, o desemprego brasileiro encerrou em 13,2%, subindo 4,8% em relação a janeiro (12,6%). Em relação ao ano anterior, a elevação é de 30,6%.
Já somos 13,5 milhões de almas sem trabalho, recorde da série iniciada em 2012. Apesar da aceleração nos últimos meses, há anos brasileiros convivem com o desemprego. Os números, por si, já formam tragédias individuais e nacional, mas há estatística um pouco mais escondida e que precisa ser analisada. Para onde vão os que conseguem serviço? As novas leis trabalhistas do ano passado – especialmente as 13.467 (Reforma Trabalhista) e 13.429 (terceirização) – trazem aditivos preocupantes, infiltram-se na mistura e ajudam a explicar.
Âncora #1: desestímulo ao vínculo de emprego
De acordo com informe do IBGE, janeiro de 2017 firmou-se como a primeira vez em que pessoas que trabalham por conta própria superaram o emprego formal. Ano passado, foram criadas 685 mil vagas com carteira assinada e impressionantes 1,8 milhão de postos informais. Seguindo a trajetória, dados do CAGED indicam que em fevereiro houve extinção de 61,2 mil vagas com carteira assinada.
Desde pelo menos a segunda metade do século XIX, o modelo organizacional do mundo do trabalho é baseado na relação de emprego. Trata-se de relação jurídica instrumentalizada em contrato animado por amplo rol de benefícios garantidores de cidadania, especialmente a partir da condição salarial. Outras formas de relações de trabalho sempre estiveram presentes nos processos produtivos, mas tratadas como exceção.
Como primeira novidade, as novas leis trabalhistas aprofundam o derretimento do sistema regulatório e estimulam a precarização das relações com o capital.
A ampliação da terceirização é a mais intensa forma de precarização, especialmente porque encoraja a utilização de podres manias nacionais: pejotização e cooperativas de trabalho terceirizado.
Em quase a totalidade de relações de trabalho cooperativado em operações terceirizadas há mascaramento de vínculo de emprego, utilizando mão de obra extremamente explorada, desassistida e insegura. O resultado costuma vir em baixíssimos rendimentos, exclusão do sistema previdenciário e histórico de desaparecimento de dirigentes e seus patrimônios.
O estímulo da bisonha e inexplicável figura de trabalhador autônomo exclusivo fecha o pacote de substituição de postos de trabalho-emprego por modos mais baratos de contratação. O problema é que o combo inclui itens perigosos.
Apenas durante o ano de 2017, o trabalho autônomo cresceu 2,8% em nosso país. A variação de rendimento segue com viés de baixa, atingindo menos 2,4% em fevereiro. A bomba previdenciária também vai ganhando potencial destrutivo: dos trabalhadores por conta própria, apenas 30% contribuem para o INSS e, portanto, terão intransponíveis dificuldades de se aposentar ou ter qualquer tipo de cobertura em doenças e acidentes. Para encerrar o triunvirato dos prejuízos sociais, apenas 81% desses têm CNPJ constituído, de modo que, sem recolhimento de impostos, marginalizam-se e ampliam a ineficácia de políticas públicas.
O recorrente discurso de estímulo ao empreendedorismo não se sustenta para os que são direcionados a sair da relação de emprego. A renda dos trabalhadores autônomos corresponde a apenas 75% do que recebem empregados formais. Isso mostra como o escape da CTPS não tem levado a criação de novos indivíduos empresários, mas simples busca de sobrevivência em relações informais e desprotegidas.
Âncora #2: desencorajamento à formalidade e a pagamentos no complexo salarial
Conforme dados do IBGE para 2017, enquanto empregados registrados têm rendimento médio mensal de R$ 2.033,00, os sem CTPS (ilegais) ganham R$ 1.206,00, com variação de rendimento negativo de 2,2%. Segue-se o desestímulo previdenciário e 80% não contribuem para o INSS. Apenas no ano passado, esses informais tiveram ampliação de 5,4% na fatia da força de trabalho nacional e segue a tendência de alta.
No campo estritamente individual, a fraude ao vínculo de emprego gera consequências que vão da criminalização do agente à condenação de pagamento de todas as parcelas típicas do padrão laboral preconizado pela CLT. A refração a condenações costuma ser bom estímulo ao cumprimento da lei, mas até isso vai relativizado.
As novas leis trazem mecanismos processuais que dificultam ajuizamentos de ações, restringem o direito constitucional de petição aos mais pobres e não separam litigantes patológicos de simples improcedências por falta de provas.
A Reforma Trabalhista também traz novos elementos à receita de desestímulo para a formalização do vínculo de emprego. Há forte incentivo a pagamentos de valores e utilidades afastadas do complexo salarial. A Lei 13.467 exclui prêmios do conceito de salário, amplia pagamentos denominados participação nos lucros e permite fugir de incidência de previdência e imposto de renda.
Tudo isso entusiasma fraudes por aqueles que se colocam no mercado competindo deslealmente a partir de diminuição de custos gerada por fraudes trabalhistas e previdenciárias. Estimula-se o mau empresário e pune-se o honesto, que corretamente contrata, remunera e produz.
Âncora #3: puxando empregos precários
Desde o início da industrialização nacional e criação da legislação trabalhista, o “trabalho com carteira assinada” representava garantia de proteção, remuneração e alguma segurança no posto de trabalho. Não mais.
As novas leis promovem notável ampliação em diversas modalidades de contratos de emprego precarizados, criando verdadeiro cardápio de opções de manejo de trabalho humano com baixíssima proteção e fácil descarte. Trabalho a tempo parcial, empregados terceirizados e teletrabalho são exemplos de contratos especiais criados ou estimulados pela nova legislação e que oferecem novas fronteiras para insegurança e baixos rendimentos, sem precisar sair do grande gênero da relação de emprego.
Segundo dados do IBGE, houve ampliação de todas essas modalidades de contratação. A tendência de substituição de postos de trabalho “plenos” por precarizados é vista no mesmo levantamento, indicando redução de 2,22% no salário de admissão e elevação de 1,53% no de dispensa.
A precarização top of mind está no chamado contrato intermitente, efetiva inovação da Reforma Trabalhista e que tem maiores potenciais de danos ao mercado laboral. Na prática, o trabalhador intermitente não tem qualquer garantia de valor de salário de sobrevivência ao final do mês, pode ter suas múltiplas jornadas ampliadas ao infinito, ganha dificuldades de integração previdenciária e praticamente tem inviabilizados repousos semanais e férias anuais.
As contratações intermitentes atingem as parcelas populacionais mais marginalizadas: 57% são mulheres, 47% têm até 29 anos e 75% dos contratados possuem até ensino médio. A maior parte dos postos de trabalho se caracterizam pela baixa instrução e rotatividade, como auxiliares de vendas, trabalhadores da construção civil e garçons.
Desde início de vigência da Lei n. 13.467, há ampliação dessa contratação e em fevereiro de 2018, o saldo de novos intermitentes foi de 2.091 postos. E não há qualquer indicação de estancamento.
Futuro: a quem pertence?
Contratações informais – seja na forma de autônomos, seja na simples fraude do vínculo de emprego – não produzem maior renda. Ao contrário, todas as estatísticas demonstram que, além de excluírem os trabalhadores do sistema previdenciário, levam à considerável redução de recursos financeiros, comparativamente a empregados legalizados.
As contratações precarizadas, especialmente intermitentes e em tempo parcial, estão em franco crescimento e causam problemas de duas ordens. Primeiro porque promovem achatamento salarial e insegurança no posto de trabalho, transcendendo a esfera individual para alcançar redução do mercado de consumo. Segundo, em razão do efeito de mascaramento das estatísticas de emprego: a despeito da ampla precarização, formalmente somam como posto de trabalho formal.
Isso tudo, sem falar na redução geral do mercado de consumo. De modo geral, trabalhadores informais têm menor acesso ao crédito e insegurança geral de comprar bens de maior valor em operações de prazo dilatado. A recuperação econômica nacional fica bem distante a partir dos seguros instrumentos de consumo e poupança.
E as causas da informalidade? Essas, sim, seguem firmes. As novas legislações mantêm forte carga tributária atrelada à folha de salários, permanece a burocratização e inexiste qualquer incentivo para a criação de novos postos de trabalho – ou de fiscalização e repressão de fraudes. A atividade de empreender segue, assim, hostilizada para o empresário que deseja contratar pessoas e contribuir com o mercado de consumo.
A insegurança jurídica sobre as novas leis trabalhistas é refletida nas muitas análises de seus operadores. Já o efeito prático da esculhambação geral que fizeram com o mercado de trabalho, isso vai bem definido nas estatísticas oficiais.
* Presidente da AMATRA IV